Título: Uma Chama Entre As Cinzas
Autor: Sabaa Tahir
Editora: Verus
Páginas: 432
Onde comprar: Saraiva
Sinopse: Uma história épica e eletrizante sobre liberdade, coragem e esperança Laia é uma escrava. Elias é um soldado. Nenhum dos dois é livre. No Império Marcial, a resposta para o desacato é a morte. Aqueles que não dão o próprio sangue pelo imperador arriscam perder as pessoas que amam e tudo que lhes é mais caro. É neste mundo brutal que Laia vive com os avós e o irmão mais velho. Eles não desafiam o Império, pois já viram o que acontece com quem se atreve a isso. Mas, quando o irmão de Laia é preso acusado de traição, ela é forçada a tomar uma atitude. Em troca da ajuda de rebeldes que prometem resgatar seu irmão, ela vai arriscar a própria vida para agir como espiã dentro da academia militar do Império. Ali, Laia conhece Elias, o melhor soldado da academia — e, secretamente, o mais relutante. O que Elias mais quer é se libertar da tirania que vem sendo treinado para aplicar. Logo ele e Laia percebem que a vida de ambos está interligada — e que suas escolhas podem mudar para sempre o destino do próprio Império.
"Uma Chama Entre As Cinzas" pode parecer apenas mais um romance entre uma escrava e um membro da elite que, juntos, lutam para acabar com as regras de uma sociedade escravocrata. Porém, é muito mais do que parece ser. Em algumas resenha, vi comparações ao livro "A Rainha Vermelha", mas ele superou muito o livro de Victoria Aveyard, principalmente em razão do desenvolvimento dos personagens, que fogem da infantilidade e da previsibilidade dos personagens comuns ao gênero. Não digo que não haja elementos clichês, pois creio que seja impossível criar uma história completamente diferente e fora de alguns padrões. Todavia, é certo que "Uma Chama Entre As Cinzas" merece destaque e que vai muito além das expectativas. Não é apenas um livro sobre guerra, escravidão e romance. É um livro que mistura tudo isso a uma mitologia sobrenatural bastante interessante, a qual envolve lendas ignoradas e forças ocultas obscuras, mas nem por isso infantilizadas.
A história é intercalada em capítulos narrados por Laia e capítulos narrados por Elias. Ela é uma Erudita - povo dominado pelos Marciais, que vive às margens do império e está sujeito às leis degradantes deste e ao risco de escravidão - que vê seus avós morrerem e seu irmão ser preso pelas mesmas pessoas que um dia lhe retiraram os pais e a irmã mais velha. Embora consiga fugir do ataque, justificado por uma traição de seu irmão, Darin, Laia é perseguida pela culpa de não ter lutado para salvar o único parente que lhe restava. Assim, busca ajuda na Resistência, uma grupo guiado pelas antigas leis Eruditas que pretende destruir o Império Marcial. Em troca da promessa de libertação de Darin, Laia se faz passar por escrava para descobrir os segredos de uma importante general. Porém, ela vai descobrir que, mais do que lutar para conseguir alguma informação relevante, terá que lutar pela própria vida. No início, fui levada a crer que Laia seria apenas mais uma protagonista que chora o livro inteiro pelas suas covardias, que acredita cegamente em qualquer um que lhe prometa exatamente aquilo que ela quer e que comete inúmeros erros tolos ao longo da história. De fato, ela mencionou em quase todos os capítulos a sua covardia e o arrependimento de não ter ficado e lutado, bem como o quão diferente de sua mãe ela era justamente por não ter coragem suficiente. Em alguns momentos, isto me irritou, mas Laia passou longe de ser a protagonista fraca que imaginei. Pelo contrário, foi destemida e inteligente em várias ocasiões, crescendo conforme a história se desenvolvia.
Elias, por sua vez, é um Máscara, ou seja, um Marcial treinado para matar. Contudo, seus anos entre os Tribais - povo que fez acordo com os Marciais e que, por isso, não é tão massacrado quanto os Eruditos - não saem de sua memória, assim como o que sua mãe, a importante e cruel general para quem Laia trabalha. Por mais que os anos passem, a Máscara que ganhou depois de anos de treinamento não adere em sua face. O motivo é discordância com todas as brutalidades cometidas pelo Império e a vontade incessante de fugir. A sua formatura parece a ocasião perfeita para seu plano, mas o destino às vezes reserva algo muito diferente. Às vezes, fugir, pode significar tornar-se aquilo que mais se teme ser.
- Existem dois tipo de culpa - digo em voz baixa. - Aquele que é um fardo e aquele que lhe dá um propósito. Deixe que a culpa seja o seu combustível. Deixe que ela te lembre de que você quer ser. Trace uma linha em sua mente e nunca mais a ultrapasse. Você tem uma alma. Ela foi ferida, mas está aí. Não deixe que tirem isso de você, Elias.
O fato de que a força a ser combatida não se restringe ao Império Marcial, mas a uma força mais poderosa que está conduzindo uma guerra, é bastante interessante e bem desenvolvido. Porém, o que mais gostei foi a forma como os relacionamentos foram descritos em meio a isto. Há uma cena entre Elias e Helene - amiga Máscara dele -, em que tive vontade de chorar, pois ele, de tão focado em odiar os Marciais, deixava passar a pequena bondade de pessoas que o amavam, julgando-as sem questionar. Quanto ao relacionamento com a General, achava que realmente havia um pouco de compaixão nela, mas não há, e isto é muito interessante de ver. Ela é cruel, inclusive com seu filho, mas não é uma crueldade infantil, é algo mais profundo. Ainda, gosto que o relacionamento entre Laia e Elias não tenha se dado como uma paixão cega e arrebatadora. Ao fim, nem mesmo sabemos o que existe entre eles ou se existe algo, visto que ambos estão entrelaçados com outros personagens.
Não é um livro pesado, mas não é completamente leve. Possui profundidade, sobretudo no que diz respeito às mulheres. O estupro é um tema bastante recorrente na história, o que acaba pesando um pouco. O tema, todavia, não é abordado de maneira extremamente pesada, nem como mero entretenimento. Acredito que a abordagem da autora foi bastante pertinente, pois é um fato que ocorre comumente, principalmente em regimes escravocratas. A autora fez questão de abordá-lo e de evidenciar o que isto gera nas suas personagens femininas, seja na escrava que corre o risco de ser estuprada diariamente por ser um mero objeto, na Máscara que é ameaçada de estupro por seus colegas de treinamento, e até na mulher que talvez tenha sido estuprada e que tenha gerado um filho que jamais desejou. É impossível não desenvolver uma empatia por cada uma dessas personagens.
O fim é incerto. Inúmeras coisas que imaginei que aconteceriam, não aconteceram, ao menos neste livro. Alguns personagens não foram tão explorados, mas não me parece que serão deixados de lado. Creio que o segundo livro - intitulado "A Torch Against the Night" e ainda não lançado - trará inúmeros elementos propositalmente ocultados/ignorados neste primeiro momento e que a mitologia criada por Sabaa - a qual não abordei muito, porque faz parte do mistério do livro, mas que, destaco, é muito instigante - tomará ainda mais forma. Por este motivo, indico muito a leitura e aguardo ansiosamente pela continuação.
- Olhe só para nós dois - ele diz. - Uma escrava erudita um Máscara, cada um tentando persuadir o outro de que ele não é uma má pessoa. Os adivinhos têm senso de humor, não têm? [...] - Quem sabe não precisemos ser uma escrava erudita em Máscara - Largo a adaga. - Só por hoje, talvez possamos ser apenas Laia e Elias.